15.05.2006
Quem já ouviu blues, sente um desespero quente a ser vociferado por uma voz ou por um conjunto de dedos mais ou menos ágeis.
Numa noite fria de verão, num sítio quente cheio de fumo deparei-me com uma mulher que violentamente fazia rugir uma guitarra. Ela tinha uns longos cabelos pretos que lhe tapavam a cara, que se moviam ao sabor daqueles sons sibilantes. Os gritos eram selvagens, quase insuportáveis. Tinha uma pele de um tom pálido santificado. Por momentos senti-me petrificado com tanta beleza pura e ingénua.
Eu pensei, como é que era possível, alguém ter tanta inspiração, com sucessivos arrepios a percorrem todo o meu corpo!
Num ápice um folclore americano bateu-me…será que ela vendeu a sua alma ao diabo? Será que ela tinha percorrido a encruzilhada?
Quando o rugido parou, com uma sala repleta, um silêncio perturbador instaurou-se. Ela afastou os cabelos da cara, e deparei-me com uns olhos lindos, verdes, tão molhados como grãos de areia junto ao mar.
O meu cérebro pensou, onde é que ela ia arranjar tanto sentimento! Mas por momentos olhei para o braço da guitarra, lindo, feito de ébano, mas completamente ensanguentado! As cordas tinham rasgado o elo mediador entre o espírito e o cérebro. Mas no entanto ela sorriu.